A grande arte de Rubem Fonseca
O recluso escritor mineiro fala sobre literatura, mulheres e dá conselhos a jovens escritores, em dois rápidos encontros no Rio de Janeiro
Alexandre Gaioto, estudante do quarto ano dos cursos de Jornalismo (Centro Universitário de Maringá) e Letras (Universidade Estadual de Maringá), se propôs uma missão quase impossível: entrevistar o escritor Rubem Fonseca, um dos maiores nomes da literatura brasileira contemporânea e notoriamente avesso ao assédio da imprensa.
Gaioto foi até o Rio de Janeiro, onde Fonseca vive, e consegiu conversar com o autor de A Grante Arte, Agosto e O Caso Morel. Leia abaixo um relato de sua aventura.
Considerado um dos maiores escritores brasileiros vivos, Rubem Fonseca, de 83 anos, não concede entrevistas e raramente permite ser fotografado. O escritor, que mora em um prédio localizado a poucos metros do mar, escreve diariamente, em seu notebook, das quatro às oito horas da manhã. Em seguida, parte para sua caminhada matinal pelas ruas do Leblon, no Rio de Janeiro, onde reside.
No último dia 16 de janeiro, abordei José Rubem Fonseca na rua onde ele mora. Vestindo calça jeans, camiseta branca e boné cinza, o escritor voltava do supermercado, lentamente, carregando dois litros de leite em uma sacolinha.
Ao me apresentar como acadêmico de Letras, da Universidade Estadual de Maringá – omito que também estudo Jornalismo –, informo que viajei do interior do Paraná apenas para conhecê-lo, e que sonho ser escritor. Fonseca, com uma voz rouca, não esconde seu espanto: “Como você me encontrou aqui?”
Ao me apresentar como acadêmico de Letras, da Universidade Estadual de Maringá – omito que também estudo Jornalismo –, informo que viajei do interior do Paraná apenas para conhecê-lo, e que sonho ser escritor. Fonseca, com uma voz rouca, não esconde seu espanto: “Como você me encontrou aqui?”
Enquanto autografa os dois livros que eu lhe mostro, o escritor revela seus três autores prediletos, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar: “Poesia é o gênero que eu mais gosto de ler”, diz Fonseca, antes de desejar-me boa sorte, atravessar a rua e entrar no prédio.
No dia seguinte, empunhando uma máquina fotográfica, volto ao prédio dele para tentar arrancar mais algumas palavras e uma rara imagem do recluso escritor. Por volta das 10 horas, Fonseca sai para sua tradicional caminhada, desta vez com a missão de devolver dois filmes em uma locadora.
Sem desconfiar de que está sendo fotografado, Fonseca devolve os DVDs senta-se em um banco de madeira, na calçada, onde é reconhecido por uma leitora de 60 anos. Após ele se esquivar cordialmente de um convite para jantar a sós com a admiradora, sento-me ao seu lado para mais alguns minutos de conversa.
Segundo o escritor, que só participa de sessões de autógrafos e ministra palestras quando está no exterior, a distância dos meios de comunicação sempre foi uma estratégia para garantir o anonimato.
“Aqui no Leblon, todos sabem onde o João Ubaldo Ribeiro mora, porque a cara dele sai estampada nos jornais durante toda semana. Eu nunca quis isso para mim! Você é um cara legal, bem-humorado e quer ser escritor. Mas também tem muita gente chata!”, me diz.
A única entrevista concedida pelo escritor para um canal de televisão brasileiro foi na Alemanha, em 1989, durante a queda do muro de Berlim. A então namorada de Fonseca, ao identificar uma equipe da Rede Bandeirantes, sugeriu ao repórter que entrevistasse seu namorado brasileiro. “Na entrevista, eu disse que nós estávamos vivendo um momento histórico. Quando a matéria veio para a edição, no Rio de Janeiro, o chefe de jornalismo ficou louco, porque o repórter não me reconheceu! Eu disse apenas que meu nome era José Fonseca. Depois disso, o jornalista ficou me procurando lá na Alemanha para tentar uma entrevista exclusiva, mas nunca mais me achou.”
Durante as respostas, é comum o escritor contemplar, com olhares e sorrisos maliciosos, as sensuais mulheres que caminham nas ruas com shorts minúsculos. Quando uma loira e uma morena passam pela nossa frente, Fonseca esquece a resposta que formulava, e desabafa: “As mulheres são incríveis, você não acha? As morenas são as minhas favoritas. E você, prefere qual?”, indaga.
Censura
Os livros de Rubem Fonseca, repletos de violência, estupros e assassinatos, são repudiados pelos leitores mais conservadores. Abusando de um erotismo sarcástico, símbolos fálicos e de uma linguagem agressiva, o autor domina, com maestria, a arte de perturbar.
“O escritor tem de escrever o que ninguém quer ler. Para escrever o que todos querem ler, existem os jornalistas. O meu editor já me disse, uma vez, que ninguém ia gostar do meu texto. E eu disse a ele que, seu eu quisesse escrever sobre gosma, merda e sexo, eu iria escrever”, diz.
Durante a ditadura militar (1964-1985), uma de suas obras, Feliz Ano Novo (1975) chegou a ser proibida pelo então ministro da Justiça, Armando Falcão, sob a alegação de “exteriorizar matéria contrária à moral e aos bons costumes”. A ditadura não amedrontou o gênio provocador. “Eu nunca tive medo quando os meus livros foram censurados. Eles censuraram o Feliz Ano Novo por uma babaquice. Então, eu resolvi escrever O Cobrador (1979), que é muito mais pornográfico e muito mais violento.”
Conselhos
Para Rubem Fonseca, os aspirantes a escritores nunca devem caminhar sem um bloco de notas. Comprovando a importância do conselho, o escritor exibe um caótico e minúsculo bloquinho, sacado de um dos seus bolsos. Manter uma rotina e, sempre que possível, retomar o texto para reescrevê-lo, são outras preciosas dicas do autor.
“Escrever é um exercício diário. Mesmo que seja uma linha, é preciso escrever todo o dia. É preciso também sempre reescrever o texto. Há sempre uma forma de melhorar a obra”, aconselha.
Para encerrar a conversa, digo a Rubem Fonseca que, daqui a 40 anos, certamente haverá uma estátua dele, no calçadão do Leblon, a exemplo da estátua de Carlos Drummond de Andrade, em Copacabana. Sorrindo, o escritor ironiza: “Se fizerem mesmo essa estátua, eu quero estar agarrando uma gostosa.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário